Esse assunto sobre professores e escolas públicas acabou me tomando com certa paixão hoje, então decidi escrever mais sobre ele, também para auto-reflexão e para colocar as idéias no lugar. O twitter, definitivamente, não é um lugar adequado para grandes e complexas argumentações, então aqui estou eu.
Publiquei o seguinte tweet ontem (18/03/11): “Acho mt chato tds desencorajarem os futuros profs a trabalharem em escolas públicas. Se tds pensarem assim, não haverá mais profs no futuro!”.
Obviamente, isso que eu disse é uma afirmação lógica. Se todos desencorajam os futuros professores a trabalharem em escolas públicas e todos pensarem assim, os futuros professores não trabalharão em escolas públicas, logo: um dia, no futuro, não haverá professores. Certo? Mas até aí eu não discuti o certo e o errado desse fato; é apenas um fato e, se a condicional se mostrar verdadeira, a conseqüência será óbvia.
Hoje, a @bruvenancio me perguntou pelo twitter: “vc pretende dar aula em escolas públicas?”. E aí muitos outros pensamentos e comentários surgiram, daí o motivo de eu precisar de um espaço maior para falar sobre eles. É claro que é muito mais fácil falar de uma idéia geral do que aplicá-la a você mesmo! É aquela mesma história da pessoa que diz que não tem preconceito contra homossexuais, e aí a perguntam: “e se fosse seu filho?”. (Novamente, não estou discutindo o certo ou errado disso, mas falando de fatos)
Quando a coisa chega até nós mesmos, é um pouco diferente da afirmação geral, né... Se eu pretendo dar aula em escola pública? Sinceramente, eu não sei. Estudo, gosto do que faço, me dedico e, obviamente, quero ganhar dinheiro no meu futuro e quero o melhor para mim. Mas quem é que não quer o melhor para si mesmo?
Realmente, a realidade das condições de trabalho de professores da escola pública atualmente não se encaixa nos sonhos daquilo que é o melhor para alguém desejar a si mesmo. Por isso, não posso culpar os muitos que nos desencorajam a seguir essa carreira; talvez eles também estejam desejando um futuro melhor para nós.
Mas voltando à afirmação lógica e esquecendo toda a discussão gerada a partir disso: se todos desistirmos, um dia, haverá apenas alunos de escola pública e nenhum professor. E eu afirmei e continuo afirmando que, aí sim, seria o caos total.
É claro que precisamos de melhores condições de trabalho, é claro que todos querem o melhor para si próprios. Baseado nisso, escrevi esse tweet: “Precisamos de melhores condições em mts coisas, mas ñ podemos apenas nos apoiarmos nessa idéia e ficarmos esperando q mude. E se não mudar?”. Se nunca mudar, se nunca melhorarem as condições, então iremos desistir? Se desistirmos, novamente: não haverá professores no futuro.
Mas, realmente, eu não afirmei que sou eu quem vai tentar mudar essa realidade e continuo não afirmando. Tenho minhas fraquezas, sou humana e, entre uma oportunidade razoável e uma muito boa para mim, não penso duas vezes em optar pela muito boa. Você pensaria? Não quero, de maneira alguma, ser falsa moralista. Na realidade, sequer verdadeira. Ser moralista não é minha intenção.
Ainda assim, a situação me incomoda. Pode não ser o MEU sonho tentar mudar essa realidade, mas pode ser o de alguém. Você entra nas escolas públicas para fazer os estágios de regência obrigatórios nos cursos de Licenciatura e escuta dos professores, coordenadores e diretores coisas do tipo “Tem certeza de que é isso o que você quer?”, “Ainda dá tempo de desistir”, “Siga a carreira acadêmica para não entrar nessa”, etc.
Como eu disse anteriormente, não os culpo. Talvez eles estejam tentando dar um conselho bom para as nossas vidas. Mas é triste ouvir isso, de qualquer maneira. E se fosse MEU sonho tentar mudar isso? E se eu acreditasse? Das dificuldades, todos que se metem a fazer um curso de Licenciatura devem estar cientes, assim como aqueles que não se metem a isso.
Eu gostaria, no entanto, que o foco dessas falas fosse um pouquinho diferente, como: “É, sim, muito difícil, mas vocês, futuros professores, e nós, professores, temos em nossas mãos a chance de tentar fazer dessa realidade difícil algo um pouco menor. Por mínimo que seja, estaremos fazendo a nossa parte”, ou: “As condições de trabalho têm que melhorar muito, sim, mas cabe a nós fazer o nosso melhor dentro das possibilidades que temos hoje e não apenas esperarmos que elas melhorem para começarmos a nos mexer”.
Novamente, não os culpo. É muito bom ter amor pela profissão, mas com certeza amor pela profissão juntamente com bom dinheiro recebido devido à profissão é ainda melhor. Eu diria que o bom dinheiro acelera até o processo químico do amor pela profissão, mesmo que ele não existisse antes. Claro! Mas eu queria que acreditássemos um pouco mais, eu queria um pouco mais de esperança.
E, por fim, o ponto que me incomoda mais nessas falas é o colocar a culpa nos alunos. “Ninguém tem interesse”, “Os alunos são fracos”, “Os alunos não respeitam, são violentos”, etc. Primeiramente, acho isso preconceito, quando dizem isso de alunos de escola pública. Estudei a vida inteira em escola particular e posso dizer que isso acontece também muitas vezes nelas. Assim como muitos alunos brilhantes vêm de escolas públicas. Daí o preconceito.
Os alunos podem, sim, fazer e ser tudo isso: os de escolas públicas e particulares. Então devemos desencorajar todos os professores do mundo? Outra coisa: não é só a profissão de professor que corre risco de lidar com pessoas difíceis. Lidar com ser humano é sempre complexo, acho que qualquer profissional que trabalhe com isso sabe. Muitos profissionais estão sujeitos a serem desrespeitados e violentados injustamente. Da mesma forma que aluno já jogou carteira em professor, comprador já violentou atendente, já atiraram em segurança inocente, etc. Há muitos seres humanos desequilibrados, alunos ou não, de escolas públicas ou não.
E logicamente não são só profissionais que podem ser desrespeitados/violentados/atacados por gente, mas todos nós, no dia a dia, por qualquer um na rua, na escola, no trabalho, em casa... Como podemos não ser! Como professores, atendentes, seguranças, médicos, pilotos, porteiros, etc., podem não ser! Isso não é motivo para desencorajar alguém de determinada profissão. Se for assim, devemos nos desencorajar do mundo e deixar de viver de uma vez. Viver é motivo suficiente para correr risco de morte e ponto. Que bom que corremos riscos, sinal que vivemos!
Parece que eu filosofei demais, mas é verdade. Quero defender o ponto de que essas desculpas que usam para desencorajar professores de o serem serviriam para desencorajar qualquer coisa. Antes de criticar os alunos, o professor tem que saber olhar para si mesmo e ver o que ele está fazendo com suas aulas e qual é a visão que ele tem de seus alunos. Se um professor enxerga seus alunos como fracos e desrespeitosos, com certeza vai tratá-los como tal e receber sempre mais disso. Se um professor enxerga seus alunos como seres humanos em toda sua complexidade e, afinal de contas, como um igual, e o trata com o devido respeito, é mais provável que receba mais respeito em troca.
Bagunça existe é claro. Se lidar com um ser humano já é difícil, imaginem vários de uma vez só. Se lidar com vários adultos de uma vez só é difícil, imaginem crianças com sua energia inesgotável, imaginem pré-adolescentes e adolescentes com todas as mudanças e o turbilhão de emoções que enfrentam... Pessoas que, muitas vezes, não têm ainda maturidade o suficiente para entender por que é que precisam aprender o que estão aprendendo na escola (e, muitas vezes, na verdade, nem precisam!). Pessoas que estão definindo sua identidade, se afirmando, chamando atenção do próximo. Pessoas que erram, acertam, exageram, são, muitas vezes, mal-educadas, outras infantis. Ou seja, pessoas como eu, você, como todos nós.
Sempre existiu e sempre existirá bagunça em sala de aula, seja de escola particular ou pública, se o professor não souber impor seus limites. A receita para isso? Eu também não sei. Não há receita para conviver com outros como nós, cada um com suas particularidades. Mas acho que quem se mete a querer ser professor um dia já deve saber de tudo isso. Então vamos refletir mais, desencorajar menos, fazer o melhor que nos for possível dentro do que nos foi designado, tratar nossos alunos como iguais, querer o melhor para nós mesmos e para nossos próximos (o melhor para nossos próximos inclui o direito a um bom ensino, então, professores...), esperar menos, fazer mais e acreditar mais! Vamos, ao menos, tentar tudo isso, em nossa condição de humanos imperfeitos.